Escritos de Ada

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Uma carta (ou algo parecido) de final clichê

Há homens que parecem querer nos tirar tudo. Você não é um deles. Você é daqueles que (talvez sem perceber) dão tanto a uma mulher... Tanto, a ponto de deixar rastros por todos os cantos.

Eu pedi a você que me mordesse com cuidado para não deixar marcas no meu corpo, contudo, isso não significa que nada de você ficou visível para mim.

Dois zines, o tapete do banheiro fora do lugar, o pacote de biscoitos de chocolate sobre a mesa da sala, fios de cabelo - muitos, lisos, negros, grossos - no lençol, nos travesseiros, no piso, todos brancos, evidenciando o escuro dos seus cabelos, em que eu gosto tanto de mexer. Preto no branco... Eu gosto das coisas assim. Mas confesso que, quando você fala, preciso de ajuda para entender o que de fato você quer que eu entenda... Há muitos tons de cinza em você.

Mas eu falava dos seus rastros... E há também os rastros que eu deixo por aí e que me fazem lembrar de você. Por exemplo, os protetores de ouvido, que tirei da gaveta e esqueci sobre a terceira prateleira da estante. Na primeira noite que passamos juntos, você me fez acordar. Na segunda, usei os protetores, mas, ao amanhecer, eu os retirei para ouvir você. É, há pessoas que não roncam apenas. Há pessoas que também ficam entre este estágio e o do ressonar, respirando como se temessem que o ar do ambiente pudesse se esgotar em um segundo. Você faz isso e, quando faz, é como se eu partilhasse, com você, algo muito íntimo. Explico: o sono é o momento em que estamos mais vulneráveis (inclusive às armadilhas da nossa mente que se manifestam na forma de sonhos). Mesmo quando você dorme, parece se proteger do mundo: barriga para cima, corpo reto, braços sobre o peito cruzados como se você se defendesse de alguma coisa ou temesse a invasão do seu espaço... Mas, da sua respiração, vem intensidade. É um momento em que você consegue ser mais intenso até do que eu, logo eu, água em ebulição.

Eu, água em ebulição. Você, aquele que diz jamais sair da zona do conforto emocional (desculpe-me, mas creio que isso seja impossível). Você, que me falou com sua voz sempre macia que "o mundo é uma selva", que precisamos observar as pessoas e saber com quem andam, que há pistas que não são seguras, que nem sempre a vontade de estar com alguém indica amor ou paixão - pode ser só desejo, pode ser alguma afinidade de outra natureza, pode ser o bem-estar que uma boa companhia proporciona...

Então, como você descobre que está apaixonado por alguém? Você, alguma vez, pensou em deixar acontecer? É possível perceber quando a paixão começa, mensurá-la, escolher como e se ela deve ser ou não alimentada?

E os tons de cinza, onde ficam nessa hora? Você tem medo de percorrê-los e descobrir que eles levam a um momento de entrega que quer evitar?

Você, que fala em curtir o momento... Se seu máximo não bastar para mim?

Este poderia ser um texto de despedida, mas temo ser intensa demais para não querer mais beber madrugadas com você.

Esta, então, fica sendo uma espécie de carta para aliviar minha vontade de "curtir o momento", para "desopilar". São coisas que você fala. Não sei se elas bastam para mim... Mas não sei se eu, agora, me basto só.

Então, até (talvez) a próxima. Se a próxima carta, a próxima madrugada... Não sei.

Só sei que a situação é clichê, tanto quanto o final desta carta: agora, eu sinto sua falta.