Escritos de Ada

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

O mar da minha infância

(Texto originalmente publicado no Novo Jornal, edição de 19/02/10)


Moro a duas ladeiras do mar. Dois anos atrás, podia vê-lo do terraço de casa. Hoje, enxergo apenas uma nesga de oceano entre os dois espigões construídos a poucas ruas da beira-mar.
Embora próxima ao mar, não costumo visitá-lo. Talvez seja nostalgia mal resolvida. Quando penso em mar, me vêm à mente as pocinhas de Morro Pintado; as águas calmas de Upanema, onde minha mãe me banhou aos seis meses de idade; as ondas da Baixa Grande em dias de maré baixa, porque, quando a praia enchia, eu me machucava nas pedras sob a água.
Os domingos de praia em Areia Branca, município oestano a 330 km de Natal, estão entre as lembranças quase táteis da minha infância. A areia molhada e compacta, os castelos feios que eu mesma desmanchava, as conchas que – vovô ensinou – carregavam o som das ondas. E histórias de quando eu ainda não podia ser deixada a sós com o mar.
Minha avó materna conta que, quando eu tinha dois ou três anos de idade, caí na sala de casa. Vovó me pegou no colo imediatamente e, depois disso, parei de andar. Começou a peregrinação nos consultórios médicos. Os exames – durante os quais eu esperneei, chorei e gritei de pura manha (dizem) – não atestaram problema algum. Mas eu chorava e permanecia sentada quando me punham no chão.
Então, um médico perguntou se havia alguma atividade da qual eu gostasse muito. Surgiu a ideia de me levar à praia na companhia de uma vistosa bola colorida. Não deu outra: tão logo vi a esfera tricolor rolando na areia, esqueci a apreensão que me mantinha confinada nos braços de vovó ou nos das tias. Ainda tenho a foto quadrada e pequena, tirada com a Kodak da prima: em primeiro plano, uma garotinha pequena, cabeçuda e de pernas tortas correndo atrás de uma bola enorme. Ao fundo, céu e mar se confundindo.
Durante anos, corri naquelas praias, engilhei a pele das mãos e dos pés de tanto banho de mar, cansei de tentar desembaraçar o cabelo imenso, cheio de sal, areia e nós. Hoje, há dez anos na capital, sinto-me agoniada com a profusão de guarda-sóis, barraquinhas, cadeiras e carrinhos de lanches, o fedor dos esgotos vencendo o cheiro da maresia, a água de qualidade duvidosa. Então, lembro-me do do mar da minha infância, tranquilo e imponente, sua espuma bordando a areia limpa, sem espigões, sem ambulantes, sem línguas negras. Só eu, o oceano e meus castelos de areia e de sonhos.