de remendar o coração a tinta.
Escritos de Ada
segunda-feira, 31 de agosto de 2020
segunda-feira, 24 de agosto de 2020
Dos autoenganos
Ela não poderia querer morrer
eles disseram
foi acidente
chequem a fechadura
liguem a luz
busquem pegadas invisíveis
procurem gotas de sangue e de saliva
pois ela não poderia querer morrer
a gente conhecia ela
tava cantando na semana passada
assistiu a uma comédia e riu até chorar
hoje ela deixou:
café pronto
louça enxuta
chão brilhoso
manjericão regado
- a terra ainda tá úmida
então, não
ela não queria morrer
a gente conhecia ela
disseram
muito certos de si
se a conhecessem
saberiam
ela apenas queria a tranquilidade das pequenas coisas:
o calor no bule
o vazio na pia
o deslizar no assoalho
o cheiro de mato fresco no vasinho
para morrer
- pelo menos morrer -
em paz.
terça-feira, 11 de agosto de 2020
Desalinho
Quisera arrumar meu corpo
como se ajeita uma casa
mas não posso não consigo
meu corpo está desmoronando
eu não posso arrumá-lo não consigo limpá-lo
erguê-lo dói
são muitos fios e poucas tomadas
plugs em desalinho
não há emenda não há jeito
há poeira vermelha no assoalho
há carne viva nos canais
tento removê-las mas estão agarradas
há cardos teimosos
arame farpado
anuviando a vista da vida
exceto por uma janela
aquela janela sempre aberta
ao futuro atrás de mim.
como se ajeita uma casa
mas não posso não consigo
meu corpo está desmoronando
eu não posso arrumá-lo não consigo limpá-lo
erguê-lo dói
são muitos fios e poucas tomadas
plugs em desalinho
não há emenda não há jeito
há poeira vermelha no assoalho
há carne viva nos canais
tento removê-las mas estão agarradas
há cardos teimosos
arame farpado
anuviando a vista da vida
exceto por uma janela
aquela janela sempre aberta
ao futuro atrás de mim.
terça-feira, 4 de agosto de 2020
Natal sem menino
Lá fora
pequenas e quentes esferas no ar
luzes matinais de dezembro:
poeira
mas as crianças fingem que há neve.
Aqui dentro
ponho uma guirlanda de frutos na porta
descarto mais uma planta seca
e encerro-me
para cultivar o ensurdecedor silêncio
do berço vazio.
pequenas e quentes esferas no ar
luzes matinais de dezembro:
poeira
mas as crianças fingem que há neve.
Aqui dentro
ponho uma guirlanda de frutos na porta
descarto mais uma planta seca
e encerro-me
para cultivar o ensurdecedor silêncio
do berço vazio.
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