Escritos de Ada

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

O homem no jardim

Vejo o homem de branco no jardim
coluna envergada pelo tempo
– bambu sob o vento –
mãos escurecidas de sol, terra e tinta
sementeiras
emprenham o ventre úmido da terra 
a carne mole do papel.

Daquela viceja a vida
em flores (o mel)
e em frutos (o sumo)

do outro emana fel:
palavras.

Vejo o homem no jardim
envergando-se ensimesmado
sobre a terra
terra que morrerá
o solo, de estéril, se avessará
acabarão o mel e o sumo
quiçá as secas folhas de papel

mas não as palavras.

Estas viverão
para além do homem de branco
que planta poemas no jardim.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

A turca

Dizem que em seu rosto há faróis.

Eu vejo flores
verde-festejo
azul-alegria
turquesa-abraço.

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Antes do verbo e da carne

Existe ainda um mistério
que talvez nunca se revele:
o exato momento em que amei você.

Mas acho que foi antes mesmo de sentir suas costas
e de tocar seus cabelos.

Antes 
do olhar fortuito sob o céu da Ribeira
ou mesmo das notas que rompiam a fumaça naquele palco
em um longínquo dezembro.

Acho que amei você antes
que o mesmo pássaro cantasse às nossas janelas
e a mesma flor tocasse nossos ombros.

Eu já o amava 
desde o vislumbre anterior  ao verbo  e à carne diante de mim:
o vislumbre de um homem diante do qual eu ficasse 
verdadeiramente nua.

Amei esse homem antes de vê-lo em você
mas não tanto
quanto na noite de minha nudez
quando mistério nenhum foi maior
do que o derramamento da alma
enfim revelada
enfim amada.

De tão menor 
cabe o mistério naquele pássaro
naquela flor
nas notas através da fumaça.

Nenhuma palavra o desvela.

Apenas sabemos que
antes do verbo e da carne
ou mesmo antes de nós
era.