(Publicado no Novo Jornal, edição do dia 23 de abril de 2010)
Aos doze anos de idade, decidi dar uma folga ao meu diário – um caderninho de capa cinzenta decorada com a meiga figura de uma menina com vestido de babados – e comecei a usar um dos cadernos da escola para escrever poemas.
Na minha míope visão de adolescente, eu achava que poesia era, primordialmente, uma válvula de escape para sentimentos represados. Não tardei a imitar os sofredores da segunda geração do Romantismo brasileiro e arrumei até um muso inspirador: o garoto loirinho que morava a menos de cinqüenta metros da casa dos meus avós maternos. Juntei isso às formas engessadas dos poetas parnasianos e o resultado era uma mistura que, a princípio, enchia meu peito adolescente orgulho, mas depois de um tempo se revelou indigesta e logo foi relegada ao fundo de um baú que nem existe mais.
Precisei entrar na universidade para ter acesso a coisas diferentes do que eu costumava ver nos livros didáticos. E foi num curso de Teoria da Literatura que conheci o escritor mineiro Francisco Alvim. Ainda lembro do meu nariz torcendo diante de versos como: “Quem te deu esse brinquinho? / Comprei lá na feira do Gaminha”.
Felizmente, não demorei a entender algo que sempre me vem à mente quando penso em literatura: tudo pode ser matéria para a poesia. Palavra de quem sente um arrepio na espinha ao ler os poemas de Manoel de Barros sobre formigas.
A poesia abarca o mundo inteiro, das pedras do pantanal às vozes das rodoviárias, bares e casas da periferia... São essas as vozes que ecoam na poesia de Alvim. Não vou mentir e dizer que amo esse poemas com jeito de bordão, que lembram discursos repetidos todos os dias, nas ruas e casas de inúmeras cidades. Confesso que me sinto muito mais tocada por versos cheios de lirismo como esses, também de Alvim: “Teu pisar macio, dançarino,/ enobrece os ventres frios,/ femininos./ À tua volta tudo canta / Tudo desconhece”.
Conheço, contudo, quem ache Alvim brilhante com sua capacidade de reproduzir em versos o discurso comum a incontáveis sujeitos, como alguém que circula por aí com um microfone para captar a voz das ruas e mostrá-la em poemas concisos e condensados ao extremo. Imagino que esse tom coloquial e natural seja o fator que favorece a identificação imediata de tantos leitores com a obra do mineiro.
Mas, afinal, o que define se algo é poesia ou não? A identificação do leitor com a obra? Parâmetros culturais? A formação literária? Aquilo que não se discute e chamamos de gosto? Tudo e nada disso. O próprio Alvim, no poema que abre o livro Elefante, indaga: “Qual o real da poesia?”. O real da poesia, respondo: é o real construído por cada leitor, idiossincrático e indiscutível.
Olá!
ResponderExcluirPreciso falar com vc e com Adriano de Souza. Por favor, envie seus endereços eletrônicos para jctn68@gmail.com.
Bj
José Correia Torres Neto
Olá Ada! Estive passeando, assim como quem não quer nada, quando de repente, avistei a página "VIVER" do jornal Tribuna do Norte, com data de 20 de abril próximo passado, onde retratava às dificuldades dos poetas brasileiros, quanto à publicação dos seus livros. Daí, atendendo à minha curiosidade, tive a oportunidade de ler e descobrir, não só este teu belo espaço, como também de mais dois que, inclusive, vou tomar a liberdade de visitá-los.
ResponderExcluirApesar de pernambucano, desde 1973 resido nesta linda terra, e também tenho o privilégio de aspirar este ar maravilhoso da nossa tão querida Natal.
Não sou poeta, mas, às vezes gosto de escrever algumas baboseiras e postá-las num humilde espaço inserido na BLOGOSFERA e, quem sabe, talvez pudesse divulgar um pouco do teu trabalho.
Beijos e um belo final de semana pra ti e para os teus.
Furtado.
http://arteemoes.blogspot.com/
Eu também comecei a escrever assim, querida Ada: primeiro adorando os românticos e parnasianos, os mestres do passado, para depois chegar ao Modernismo, pós-modernismo e a Contemporaneidade. Acho que escritor de talento deve amadurecer aos poucos mesmo.
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