O anjo cinza que canta blues
instalou-se em minha casa
julgando curtas as noites
pôs blecautes nas janelas.
Uma semana passei
prostrada aos pés do anjo
ouvindo-lhe as dissonâncias.
Com medo de olhar-lhe o rosto
pedia em silêncio:
"me toma
me leva nos braços
pois para tão curta missão
é já tão longa esta
vida..."
O anjo apenas cantava.
As notas encheram o quarto
subiram às prateleiras
cobriram os pontos de luz
penduraram-se no teto.
Quando o anjo foi embora
a réstia de luz que se abriu
mostrou a composição:
uma grande espada cinza
pesada
qual as notas sopradas da boca
do anjo
girava sob o teto e sobre mim
suspensa apenas
por um fino fio de seda.
Passaram-se sete dias
e a espada ainda está lá.
Só eu a enxergo
e só eu escuto
a voz grave do anjo cinza
que canta blues
à minha janela.
As notas enchem o quarto
e caem das prateleiras
e embotam os pontos de luz
e giram com a espada
– tão tênue a linha
e sob palavras e a espada
gira a minha cabeça
por um fio.
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