Escritos de Ada

segunda-feira, 21 de março de 2011

Transformando mundos

Eu já quis mudar o mundo. E não estou falando da época em que pulava da cômoda do meu quarto com um lençol preso às costas, brincando de ser a versão feminina do Superman. Eu já havia crescido um pouco, mas ainda conservava um quê da criança que enxergava heróis nos bons professores.

O fato é que, em vez de me imbuir da tal aura heróica, iniciei meu estágio supervisionado, oito meses atrás**, morrendo de medo. Ao longo da graduação em Letras, ouvi muitas histórias sobre alunos problemáticos e professores desestimulados. Antes de assumir um dos terceiros anos do Atheneu, observei outras turmas e decidi oferecer aos meus alunos algo menos engessado. Uns mal reagiram; outros me surpreenderam.

O primeiro episódio que me vem à mente envolve dois alunos com médias ruins e muitas faltas. Certa noite, a turma foi liberada para participar de uma atividade extraclasse, mas ficaram uma moça e um rapaz. Ele me deu uma folha com a atividade que deveria ser entregue na semana seguinte – tinha recuperado com os amigos o material das aulas perdidas. “A senhora dá uma olhada? Eu escrevo mal, tenho até vergonha, queria uma orientação”. “Olha a minha também?”, a menina murmurou.

O foco da conversa logo passou das dúvidas à rotina dos alunos. O rapaz trabalhava pesado e cuidava dos dois filhos pequenos e da esposa. A moça, mãe solteira, faltava às aulas por causa do emprego. Saímos do Atheneu tarde, depois de dicas de leitura e confidências que envolviam planos de ingressar na universidade ou no serviço público.

Quando recebi as versões finais dos trabalhos, percebi que, embora longe do ideal, eram prova irrefutável do esforço dos dois alunos, os mesmos que depois se uniram aos colegas para perguntar por que eu tinha que deixar a escola. O período de estágio acabara e eu precisava voltar à universidade.

Não me gabo de ter conquistado aqueles alunos e de ter contribuído com sua formação: fiz o que se deve esperar de um professor. O problema é que, no meio de todos os absurdos encontrados no ensino público, o que deveria ser regra se torna exceção.

Foi de um professor chamado Henrique – escolado nas mazelas da rede estadual – que, entre discussões sobre letramento literário e dicas de como tornar as aulas mais dinâmicas, meus colegas e eu ouvimos: “não carreguem o mundo nas costas. Se, no meio de trinta, vocês mudarem a vida de dois ou três, a missão foi cumprida”. Não dá para ser herói. Mas proporcionar um vislumbre de mudança não é impossível. E é o mínimo que devemos fazer.


**Artigo publicado no Novo Jornal, edição do dia 16 de julho de 2010

2 comentários:

  1. Acho que é mesmo assim como fala esse professor Henrique; mudar a vida de dois ou três já deve ser bastante gratificante. Abraço.

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  2. Gostei de vê. É assim que as coisas devem ser encaradas.

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