Escritos de Ada

terça-feira, 29 de agosto de 2017

O anjo cinza

O anjo cinza que canta blues
instalou-se em minha casa
julgando curtas as noites
pôs blecautes nas janelas.

Uma semana passei
prostrada aos pés do anjo
ouvindo-lhe as dissonâncias.

Com medo de olhar-lhe o rosto
pedia em silêncio:
"me toma
me leva nos braços
pois para tão curta missão
é já tão longa esta vida..."

O anjo apenas cantava.

As notas encheram o quarto
subiram às prateleiras
cobriram os pontos de luz
penduraram-se no teto.

Quando o anjo foi embora
a réstia de luz que se abriu
mostrou a composição:

uma grande espada cinza
pesada 
qual as notas sopradas da boca do anjo
girava sob o teto e sobre mim
suspensa apenas 
por um fino fio de seda.

Passaram-se sete dias
e a espada ainda está lá.

Só eu a enxergo
e só eu escuto
a voz grave do anjo cinza
que canta blues
à minha janela.

As notas enchem o quarto
e caem das prateleiras
e embotam os pontos de luz
e giram com a espada
– tão tênue a linha 

e sob palavras e a espada
gira a minha cabeça

por um fio. 

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