(Publicado originalmente no Novo Jornal, em janeiro de 2010)
Carlos Drummond de Andrade disse, certa vez, que o maior poeta brasileiro
era Manoel de Barros. O próprio, mais tarde, discordou do mineiro de Itabira e falou
que o melhor era João Cabral de Melo Neto, seu contemporâneo da Geração de 45.
O fato é que há quem torça o nariz para o poeta matogrossense, dada sua
preferência por trastes e restos. “Sou mais a palavra ao ponto de entulho”, confessou
em um de seus poemas.
Além disso, Manoel
ainda é visto, folcloricamente, como o poeta pantaneiro. É verdade que seu
universo não é urbano. Predominam, em sua poesia, o mato embrenhado, os rios,
as plantas e os animais silvestres. No entanto, a presença do Pantanal é só um
dos detalhes na produção do escritor nascido no Beco da Marinha, beira do Rio
Cuiabá, em 1916. Seu trunfo é ser um artífice do verbo em sua origem espúria,
como revelam os versos: “Nenhuma voz adquire pureza se não comer na espurcícia.
Quem come, pois, do podre, se alimpa. Isso diz o Livro.”
A poesia de Barros
é a de quem está descobrindo o mundo à maneira ingênua de uma criança ou de um louco. “Poeta é um ente
que lambe as palavras e depois se alucina. / No osso da fala dos loucos tem
lírios.”, escreve. Manoel assemelha-se a um menino que, tão logo é solto em
meio a escombros, retira deles brinquedos e exibe-os com a bonita ingenuidade
de quem enxerga utilidade em algo aparentemente imprestável.
Dessa poesia
infante surgem imagens da essência de coisas comezinhas e mesmo abstratas. O
poeta “fotografa” o silêncio, o “azul-perdão no olho do cego”, o “perfume de
jasmim no beiral de um sobrado”, e personagens como o bêbado que caminha
solitário em uma rua silenciosa, o monge “descabelado” por uma palavra
renascida da ruína, os artistas que vagam pelo mundo criando obras a partir de
restos e pregando a inutilidade das
coisas. São esses os “sujeitos distraídos” de que fala o poeta mexicano Octavio
Paz: criaturas deslocadas do centro da cena social, ligadas à poesia porque dão
sentido a ela ao buscar o que poucos enxergam.
É nessa maneira peculiar de fazer – e revelar – poesia que, acredito,
está o maior mérito de Manoel de Barros, mestre em transformar o pequeno em
magnânimo. São escritores como ele que
mostram como, em se tratando de poesia, a inutilidade pode ser uma virtude.
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