Escritos de Ada

domingo, 26 de setembro de 2010

Nas entrelinhas

A lírica moderna é desafiadora. Como ficar tranqüilo diante dos despropósitos de textos que não revelam a chave da compreensão?

Acontece que a poesia não precisa ser compreendida. Ela deve, sim, provocar os sentidos, embora essa provocação desafie o bom senso. Mas, quem disse que a poesia necessita de bom senso? Seja através de sintaxes tortas ou de desbundes gramaticais, a produção moderna tem o mérito de buscar o deboche, o inusitado, o mal comportado que provoca reações bem dessemelhantes daquelas experimentadas pelos leitores das obras Românticas.  

Na visão moderna, para produzir arte, é necessário pesquisar e estudar, porque obra alguma é fruto total do acaso. A escrita é um ofício que exige maestria técnica. As palavras são lapidadas de maneira a representar o que se quer dizer. Essa exatidão, buscada desde a época dos sofistas – quando Protágoras a defendia sob o nome de orthoépia – é a habilidade de “recriar o mundo”, o que não implica, necessariamente, em se adequar à realidade para tornar a leitura fácil. Palavras claras não implicam em clareza de sentido. Tomem-se como exemplo os versos de Ana Cristina César:
“Precisaria trabalhar – afundar – / – como você – saudades loucas / – nesta arte – ininterrupta – / de pintar – / A poesia não – telegráfica – ocasional – / me deixa sola – solta – / à mercê do impossível – / – do real”

O poema “Vacilo da Vocação” é uma prova de que técnica e a concisão caminham juntas. As palavras, isoladas ou agrupadas em períodos muito pequenos, são separadas por travessões que indicam os recortes no pensamento do eu fragmentado. Esses retalhos constroem o sentido do poema, ao mesmo tempo conciso, fragmentado e completo. As palavras parecem metodicamente pensadas e montadas. Há uma brevidade não relacionada unicamente ao tamanho do poema, mas também à capacidade de reunir o máximo de sentidos sem palavreados desnecessários.

A presença dessas características tão ligadas à técnica em “Vacilo da Vocação” não significa desprezo à inspiração. O eu lírico que se esforça “nesta arte – ininterrupta – de pintar” é o mesmo que fica “à mercê do impossível – do real”. Ele trabalha para compor o poema, mas, sendo um artista, é sensível à idéia inesperada. Ele não se fecha ao “impossível” e ao “real” como fornecedores de material para versos. Afinal, essa não é a inspiração dos românticos, e sim a que vem do real, pois a poesia não é onírica, distante: ela está no mundo, ao nosso alcance.

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