Escritos de Ada

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Onde mora o encantamento

Os escritores modernistas inauguraram uma era de liberdade ao abolirem certas obrigações parnasianas. Imposições como catar rimas preciosas e organizar minuciosamente as sílabas de cada verso criaram muitos poemas tecnicamente perfeitos, mas vazios.

Por outro lado, há quem abuse da liberdade, escreva qualquer coisa de qualquer jeito e diga que é poeta. O fato é que, embora não precise de um molde, a poesia tem parâmetros de qualidade. Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Manuel Bandeira e outros foram brilhantes com seus versos livres. Eles cumpriram o que T.S. Eliot dizia ser a tarefa do poeta: preservar a língua e aperfeiçoá-la, ao utilizá-la para exprimir os próprios sentimentos e os das outras pessoas, de tal forma que os leitores, conscientes do que sentem, aprendem algo sobre si.

Creio que seja esta a principal característica da boa poesia. Venha em forma de soneto ou como uma união de versos sem rima e sem métrica, o poema deve fascinar o leitor. Os primeiros poetas modernos conseguiam este efeito através das dissonâncias. No livro Estrutura da lírica moderna, Hugo Friedrich aponta a “tensão dissonante” como característica essencial das artes modernas. A dissonância é explicada por Friedrich como um misto de fascinação e incompreensibilidade, resultado da obscuridade dos textos. Conclui-se, daí, que os poetas modernos não pretendiam ser claros ou mostrar a realidade de maneira objetiva, mas chegar ao âmago do leitor. O francês Charles Baudelaire já dizia que “existe certa glória em não ser compreendido”. Deixemos, portanto, a comunicação clara e objetiva aos textos jornalísticos – embora nem todos o façam.

Não parece fácil, e não é. Nem todos estão dispostos a acostumar os olhos à novidade da poesia. Talvez seja este um dos maiores dilemas enfrentados pelos poetas, desde o desabrochar da lírica moderna. Não é difícil encontrar um escritor que já tenha ouvido algo como: “você é obscuro, parece escrever só para você”. O fato é que um meio de criação poderoso como a poesia não precisa ser utilizado para transcrever a realidade. Um poema pode ser uma porta para outro mundo, no qual as sensações dão o tom das experiências e revelam o que não surge à primeira vista. Nesse sentido, a poesia é revelação não do que vemos todos os dias, mas do que se esconde por trás de nossa consciência. Para tanto, é necessário entregar-se ao que o escritor mexicano Octavio Paz chamou de “trato desnudo do poema”: o leitor percebe que o fascínio não está em fatores externos, e sim na própria poesia, no encantamento produzido por cada imagem ou som evocado pelas palavras. Somente assim, a experiência poética se concretiza.

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